"Somos feitos do mesmo material que nossos sonhos" - Shakespeare.

Quarta-feira, 19 de Março de 2008

O não já está garantido

Texto retirado da intranet Caseli.

 

por Vinícius Pereira

Iniciei minha carreira na área comercial aos 14 anos de idade como empacotador de supermercado, na época em que as embalagens eram de papel pardo e a gorjeta era gorda ao levarmos as compras até o estacionamento ou ao entregarmos nas residências dos clientes da loja.

Parece que foi ontem, pois lembro claramente da sede de treinamento da empresa, na Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, RS. Ao entrar na sala, próximo a um quadro negro, me deparei com um pequeno quadro preso à parede com a foto de um armazém como aqueles que hoje só conseguimos ver em pequenas vilas de alguns poucos municípios do interior. Por incrível que pareça tratava-se da loja onde nasceu a rede Dosul de Supermercados que, já em 1985, era uma das principais redes do varejo alimentar gaúcho. Nesse mesmo dia, sentado em uma cadeira sem saber direito o que iria ocorrer e com outra meia dúzia de jovens tão assustados e ao mesmo tempo entusiasmados com tudo aquilo, vi entrar pela porta da sala um senhor bem vestido de cabelos grisalhos, que chegavam a brilhar naquele ambiente de pouca luminosidade. Tratava-se do fundador e proprietário da Rede Dosul. Nunca mais esqueci daquela manhã e das palavras proferidas por aquele senhor, pois elas marcariam minha vida para sempre. Quando ele disse em bom tom para que todos escutassem que “o não já está garantido” – e segundo ele foi exatamente isso que o fez construir uma grande empresa varejista e que primava pelo bem-estar das pessoas, clientes ou não. Naquele momento tive a certeza de que minha carreira seria na área comercial.

Avançar mais alguns passos foi questão de tempo, pois aquelas palavras continuavam ecoando em minha mente: “O não já está garantido”. Com base nessa premissa e após algum tempo trabalhando no Dosul veio uma pergunta à tona:

"O que preciso para ter uma carreira de sucesso na área comercial?"

Imediatamente tive a resposta: trabalhar em uma empresa em que a sua marca pudesse abrir portas no futuro. Então, aos 18 anos de idade, olhando as páginas amarelas do guia telefônico descobri o endereço da filial da Nestlé em Porto Alegre. Mas vocês devem estar perguntando: por que a Nestlé?

Simples. Por que não trabalhar em uma empresa que todos nós já nasciam sabendo dizer o nome e que, além de líder de mercado, era uma multinacional?

Peguei a melhor roupa que tinha e lá fui eu desbravar a cidade, saindo da Zona Sul, cruzando o Centro de Porto Alegre até chegar ao bairro de Navegantes, quase na saída da cidade. Chegando à tão sonhada empresa me deparei com uma guarita e um segurança que logo foi indagando:

- Posso ajudar o senhor em alguma coisa?

O quê? Em tão pouco tempo eu já havia me tornado senhor? Que empresa era aquela que tratava um guri por senhor? Ah! Mais uma vez as palavras ditavam meu caminho: “O não já está garantido”. E por ter pelo menos essa garantia, respondi:

- Gostaria de falar com o encarregado pelo departamento de vendas.

Na mesma hora o segurança fez outra pergunta:

- Você quer dizer o gerente de vendas?

- Sim, claro – fiquei meio tonto. ¾ Claro! Quero falar com o gerente sim, eu vou trabalhar aqui.

Meio sem entender, o segurança pegou o telefone e após falar com uma pessoa mandou que eu entrasse e aguardasse na recepção. Quando entrei por aquela porta, meu coração disparou. Estava dento de uma das maiores empresas do mundo.

Logo chegou uma senhora robusta e solicitou que eu a acompanhasse. Subimos alguns lances de escada e fui conduzido a um belo escritório. Quando me preparava para sentar, com as mãos suando frio e as pernas tremendo, uma voz me paralisou de vez:

- Então és tu o guri que diz que vai trabalhar aqui?

Já totalmente sem jeito eu disse:

- Sim, senhor, sou eu mesmo.

Com um olhar de estranheza, o então supervisor de vendas, após me fazer uma série de perguntas como idade, escolaridade e outras coisas do gênero, solicitou que eu me apresentasse no dia seguinte, na primeira hora da tarde, em outro endereço, onde estariam selecionando promotores de venda. Ele ainda disse ter gostado da minha cara de pau e que achava que eu levaria jeito para a coisa.

Parecia que já estava empregado. Saí dando pulos e lembrando mais uma vez das palavras: “O não já está garantido”. Naquela noite mal dormi e com uma hora de antecedência já estava em frente ao local da entrevista, na Avenida Voluntários da Pátria. Com o passar dos minutos, que para mim mais pareciam horas, foram chegando mais candidatos e, próximo do horário marcado, eram aproximadamente 20 jovens que se encontravam no local para participar da entrevista. Logo na chegada fomos preenchendo uma ficha e, um por um, fomos entrando em uma sala envidraçada, onde além do supervisor havia mais uma pessoa, que depois fiquei sabendo ser um dos vendedores da empresa.

Comecei a notar, enquanto aguardava minha vez, que alguns eram mandados para uma sala lateral e outros tomavam o rumo da porta de saída e fiquei mais nervoso ainda. Enfim, era chegada minha vez, e ao sentar na poltrona da sala o supervisor disse:

- Este é o guri de quem te falei. Resumindo, após todas as perguntas feitas, fui mandado para a sala lateral, em vez da porta que me levaria para o fim do meu sonho. Pensei comigo mesmo: a coisa está acontecendo. De 20 candidatos ficaram cinco e existiam apenas duas vagas, foi quando veio a pergunta fatídica:

- Todos aqui possuem carteira de habilitação?

Sem saber o que falar respondi com outra pergunta:

- Por quê?

O vendedor respondeu:

- Para a vaga de promotor é necessário ter carteira de habilitação, pois com o tempo vocês receberão uma Kombi para trabalhar. Você tem não tem? – Disse o vendedor.

Depois de tudo que enfrentei uma simples carteira de motorista estava me mandando para casa a pé. Será que o sonho tinha acabado? Só que mais uma vez as palavras ecoaram em minha cabeça: “O não já está garantido”.

Alguns anos passaram. Trabalhei em vários lugares, mas nunca esqueci da Nestlé e quando tinha meus 22 anos, já devidamente habilitado, fiquei sabendo, por intermédio de uma amiga de minha madrinha, que uma empresa estava recrutando para trabalho temporário no verão jovens comunicativos, universitários e dispostos a enfrentar desafios.

Se o não já estava garantido, o que eu fiz? Peguei o endereço e, na data e hora marcada, lá estava eu preparado para assumir os tais desafios. Quando comecei a entrar na sala de uma agência de recrutamento e seleção, me deparei com aquele que era vendedor da Nestlé que era, agora, supervisor. Bom, o resto da história provavelmente vocês todos já imaginam. Comecei como temporário na operação verão da Nestlé e, após três meses, fui efetivado. Então, mais do que nunca, entendi o que aquelas palavras significavam: "Nunca podemos desistir dos nossos sonhos quando o não já está garantido".

Depois da Nestlé passei por empresas do ramo farmacêutico; me formei em Ciências Econômicas; morei nos Estados Unidos; voltei para o Brasil; fiz especialização em Marketing; ingressei na indústria de cosméticos e hoje sou sócio fundador da Upper Consultores, que atua na área de consultoria em gestão empresarial focando seus serviços em vendas, marketing e capacitação de pessoas.

Pode-se dizer que a carreira comercial vale a pena?

- Claro que sim! Mas qualquer carreira vale a pena quando você sabe onde quer chegar e, para isso, é preciso que duas perguntas sejam respondidas: quando e onde isso vai ocorrer? Normalmente essas perguntas não têm resposta, mas uma coisa é certa: você tem de estar preparado, pois quando a hora chegar terá de pegar a oportunidade com unhas e dentes para fazer a coisa acontecer. Então:

» Primeiro – Tenha certeza de uma coisa: "O não já está garantido".

» Segundo – Nunca, mas nunca desista de seus sonhos.

» Terceiro – Prepare-se para colher o que plantou.

» Quarto – Transpiração, muita transpiração!

publicado por abigailinhares às 00:13
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